Narlan Matos, trans. José F. Bañuelos-Montes and Sally Perret

 

10 poems

Post-Columbians


barely
just barely
the Indians
of the Americas
failed to
Christianize
the conquering
Europeans

the Europeans
conquering
barely
just barely
the Indians
of the Americas
failed to
Christianize

barely
just barely

Pós-Colombianos


por pouco
muito pouco
os índios
das Américas
não conseguiram
cristianizar
os conquistadores
europeus

os europeus
conquistadores
por pouco
muito pouco
os índios
das Américas
não conseguiram
cristianizar

por pouco
muito pouco

 

Wall Street

to Howard Piggee

I am standing
on a corner on Wall Street
in New York
waiting for her
though I know she will never come
my body is a tiny ant
standing among millions of giants
the city overcrowded
the air overpopulated
there is no room, not even for my soul
yellow taxis passing by
like peaches in my back yard
yellow taxis passing by
and shouting in unison 
how beautiful America is
how beautiful America is
oh, and how razor sharp!

Wall Street

      para Howard Piggee

estou de pé
numa esquina da Wall Street
em New York
esperando por ela
embora saiba que ela jamais virá
meu corpo é uma formiga diminuta
de pé entre milhões de gigantes
a cidade superlotada
o ar superlotado
não há espaço nem para minha alma
taxis amarelos passando
como pêssegos em meu quintal
taxis amarelos passando
e gritando em uníssono
como a América é linda
como a América é linda
ah, e como é afiada!

 

An Inquiry


I, a declared Brazilian
with an ID, code of a legal entity and passport
I confess our sewage to the open skies our epidemics our
yellow fever
I denounce my people my syphilis our pus

I, a convicted Brazilian,
testify against child labor on the great plantations
children so old from exhaustion so much gangrene on their hands and feet
I testify against sexual tourism
the mulatta woman for export
slaves for sale in markets
I give up the king’s connivance with death and with hunger
I give up everyone that does not want the garden of my people to bloom
in its splendor in its emery glow and future
I give up everyone that does not want Brazil to grow beyond the Cubist
carnival
beyond the soccer stadiums where the masses eat hunger

I, a declared Brazilian
denounce until death the misery in Northern and Northeastern Brazil
where children destroy the lizards of history
I denounce our favelas
where day & night & leprosy are the same wound
and the extermination of street children
and the organ trafficking abroad

I, a declared Brazilian
testify that I would like to be someone else
to uproot each rotten tooth from the landscape’s mouth

(but above all
I am announcing my people the Zumbi of Palmeras
the Beach Rebellion and Antonio Conselheiro)

and I know that the country I want and dream of will not come suddenly
by internet or on cable TV
the country I want and dream of will only flourish if the hands of my people give rise
to its cultivation

if their hard work their day is green from themselves from their fortune
the country I dream of will only come
it will only gush forth
from the depths of all us,
(were there lies)
all of us,
declared Brazilians.

Inquérito


eu, brasileiro confesso
com carteira de identidade, código de pessoa física e passaporte
confesso nossos esgotos a céu aberto nossas epidemias nossa febre 
amarela
delato meu povo minha síflis nosso pus

eu, brasileiro convicto
deponho contra o trabalho infantil nos grandes latifúndios
crianças tão velhas de cansadas quanto gangrena nas mãos nos pés
deponho contra o turismo sexual
a mulata tipo exportação
escravos à venda nos mercados
entrego a conivência do rei com a morte com a fome
entrego todos que não querem que o jardim do meu povo floresça
em seu esplendor em seu esmerilho de brilho e porvir
entrego todos que não querem que o Brasil cresça além do carnaval
cubista
dos estádios de futebol onde a massa come a fome

eu, brasileiro confesso
denuncio até a morte a miséria no Norte e no Nordeste do Brasil
onde crianças destroçam os lagartos da história
denuncio nossas favelas
onde dia & noite & lepra são uma mesma ferida
e o extermínio de meninos de rua
o tráfico de órgãos para o exterior

eu, brasileiro confesso
deponho como gostaria de ser outro do que sou
de extirpar cada dente podre da boca da paisagem

(mas antes de tudo
anuncio a meu povo Zumbi dos Palmares
a Revolução Praieira e Antônio Conselheiro)

e sei que o país que quero e sonho não chegará de repente
pela internet nem pelas televisões à cabo
o país que quero e sonho só florirá se as mãos de meu povo se derem
ao plantio

se sua labuta seu dia for ao verde de si mesmo de sua ventura
o país que sonho só virá
só jorrará
de dentro do fundo de todos nós,
(onde repousa)
todos nós,
brasileiros confessos.

 

Illiterate Civilizations


I write
because in 476 A.D.
the Ottoman Turks conquered Constantinople
and toppled the Roman Empire
and because the Black Plague almost wiped out the Europeans from the face of the earth
and because the Mississippi River is the same river that runs through where I was born
and because Egypt is a gift of the Nile

I write
because Abraham Lincoln and Tupac Amaru existed
and I have clear evidence of it
and because Bartolomeu Dias crossed the Cape of Torment
to make Portugal happy
and because Vasco da Gama delivered a letter from King Manuel I of Portugal
to the Zamorin of Calicut explaining everything
and because in 1492 America was found
before everything else
because men invented writing and the Latin alphabet

I write
because Dylan Thomas sang his psalms to mankind
like the Great King Salomon
sang his psalms to God
because when I was born
there were not important dates to celebrate
except for the day before the Bastille fell
and because Chad is the dead heart of Africa
and because God invented Einstein
so that Einstein could invent God

I write
because the Arabs colonized
an arrogant and miserable Europe
pagan like the flames of the Holy Inquisition
and because Saint Augustine was virtuous
and because Mauricio de Nassau brought Franz Post to Dutch Brazil
and because Nicolas Poussini painted a work called
The Plague of Ashod in the year 1630
and because thousands of slaves were brought

from Africa chained to merchant trade ships
and because Castro Alves wrote Voices from Africa in the Portuguese language

I write
because today is Monday
and tomorrow I will meet her again
and see her smile more beautiful than the face of springtime in the meadows 
and that is why she will always be with me like the green sky in her eyes
and because I discovered that a part of her is real
and the other I wrote myself
and because I want to visit Bolivia and Venezuela
and because the Indians from the American continent are threatened by extinction

I write
to avenge the Treaty of Tordesillas and the mob of four hundred convict exiles
and to respond to the Letter of Discovery
to the diaries of Hernan Cortes, Francisco Pizarro and Cabeza de Vaca
and because Christopher Columbus arrived here
and because Adam and Eve were expelled from Eden — like me

I write
because the end of the word is the end of the world

Civilizações Ágrafas


eu escrevo
porque em 476 d.C
os turcos otomanos tomaram Constantinopla
e acabaram com o Império Romano
e porque a Peste Negra quase extinguiu os europeus da face da terra
e por que o Rio Mississippi é o mesmo rio que corre onde eu nasci
e porque o Egito é um presente do Nilo

eu escrevo
porque Abraão Lincoln e Tupac Amaru existiram
e tenho claras provas disso
e porque Bartolomeu Dias cruzou o Cabo das Tormentas
para que Portugal fosse feliz
e porque Vasco da Gama entregou uma carta de D. Manuel I de Portugal
ao Samorim de Calicute explicando tudo
e porque em 1492 a América foi encontrada
antes de tudo
porque o homem inventou a escrita e o alfabeto latino

eu escrevo
porque Dylan Thomas cantava seus salmos para o homem
da mesma forma que o Grande Rei Salomão
cantava os seus a Deus
porque quando nasci
não havia data importante para celebrar
exceto no dia anterior quando a Bastilha tombou
e porque o Chade é o coração morto da África
e porque Deus inventou Einstein
para que Einsten inventasse Deus

eu escrevo
porque os Árabes colonizaram
uma Europa arrogante e miserável
pagã como as chamas da Santa Inquisição
e porque Santo Agostinho era virtuoso
e porque Maurício de Nassau trouxe Franz Post para a Nova Hollanda
e Nicolas Poussin pintou um quado chamado
a Peste em Ashdod no ano de 1630
e porque milhares de escravos foram trazidos

da África acorrentados nos navios mercantes
e porque Castro Alves escreveu Vozes D’Africa em língua portuguesa

eu escrevo
porque hoje é segunda-feira
e amanhã vou encontrá — la de novo
e ver seu sorriso mais lindo que a face da primavera nos prados
e por isso ela estará sempre comigo com o céu verde em seus olhos
e porque descobri que uma parte dela é verdade
e a outra escrevi eu mesmo
e porque quero visitar a Bolivia e a Venezuela
e porque os índios no continente americano estão ameaçados de extinsão

eu escrevo
para me vingar do Tratado de Tordesilhas e da malta dos quatrocentos degredados
e para responder à Carta do Descobrimento
aos diários Hernan Cortéz, Francisco Pizarro e Cabeza de Vaca
e porque Cristóvão Colombo chegou até aqui
e porque Adão e Eva foram expulsos do Eden — como eu

eu escrevo
porque o fim do verbo é o fim do mundo

 

Moonlight in Havana


when we passed over the Caribbean
it was night
it was very night
it was too much night
I could not see the palm trees of Nassau
I could not see the moonlight of Havana

I only saw a small island (mythical)
where a great dream lay sleeping

Luar de Havana


quando passamos sobre o Caribe
era noite
era muito noite
era noite demais
não pude ver as palmeiras de Nassau
não pude ver o luar de Havana

ví apenas uma pequena ilha (mítica)
onde dormia um grande sonho

 

My Father’s House


in my father’s house each door is a labyrinth
(there are twenty-one in all)
and each of them opens for me and I mix absinthe
in battles recollected in which I remained silent
tragedies losses mornings dreams aromas figs cashews

although it is adobe — like the houses in New Mexico
the house is supernatural: the great corridor is here
that will lead to the mystery, where memories sleep
from times of war and so the house is a fortress
but useful to defend me from it and its metaphysics
in the basement — deep and hard as the material of time
the night is made of winds, scorpions and foreign languages
and there are ghosts inhabiting the rooms where slaves lived

everything moves without moving
everything is invisible and tenacious like the steel of a sword
and where I am always without ever having been
this white wall around the immense backyard
as high as the clouds and I cannot escape
the old coconut tree defying the breeze
and the songbirds of Gonçalves Dias in their nests
and this old garden of myths and lavender and jasmine
— where my self lies

suddenly other selves that I thought dead
come to life like ghosts
— like Lazarus stepping out of the grave

so I continue: me inside the house and the house inside me
I am sure that I will never leave here alive

Casa Paterna


na casa paterna cada porta é um labirinto
(são vinte e uma ao todo)
e todas se abrem para mim e me absinto
em lembranças batalhas em que quedei em silêncio
tragédias perdas manhãs sonhos aromas figos cajus

embora seja de adobe — como as casas do Novo México
é sobrenatural a casa: eis aqui o grande corredor
que vai dar no mistério, onde dormem memórias
dos tempos bélicos e por isso a casa é uma fortaleza
mas inútil para me defender dela e de sua metafísica

no porão — profundo e duro como a matéria do tempo
a noite é feita de ventos, escorpiões e idiomas alheios
e lá espectros habitam os quartos onde viviam escravos

tudo se move sem que se mova
tudo é invisível e tenaz como o aço de uma espada
e onde sempre sou sem nunca haver sido
esse muro branco ao redor do imenso quintal
tão alto quanto as nuvens e já não posso escapar
o velho coqueiro desafiando a brisa
e os sabiás de Gonçalves Dias nos ninhos
e esse velho jardim de mitos e alfazemas e jasmins
— onde jazem mins

repentinamente outros eus que julguei mortos
ressuscitam como fantasmas
— como Lázaro ao sair da sepultura

assim sigo: eu dentro da casa e a casa dentro de mim
estou certo de que jamais sairei daqui vivo

 

A Letter to the Slovenian


Tomaz Salamun
I am walking along the South Atlantic coast
without a route
without a map
the salt of the sea is all I feel in the air and in my mouth
what treasures have the tropics left for me?

Tomaz Salamun
since I was born on an ordinary Monday
an ordinary life has followed me everywhere
as if I had escaped from Alcatraz

Tomaz Salamun
and with respect to melancholy, what shall I do?
and with respect to the garden of yellow flowers,
with which bees shall I teach to make honey?

Tomaz Salamun
soon the autumn will begin to fall on me, I know
and my leaves will fall ... one by one…
what to do?
where to go?
who to look for?

through the window I can see it
the great bridge is made of rough stone
— like life
but it does not take me anywhere
if I do not have legs to walk on

Tomaz Salamun
her green eyes are near me
she is in front of me
the muse is Moldovan
her hair is daylight and clear and white

and she brings with her the sands of an hourglass
she calls me she loves me
— and as such life exist

in the end, I am alive
I live like no one would like to live
I hear my blood agonizing in my veins
and a flamenco guitar burns in my chest

Tomaz Salamun
I was condemned to exist

Carta ao Esloveno


Tomaz Salamun
estou caminhando pelo litoral do atlântico sul
sem nenhuma rota
sem nenhum mapa
o sal do mar é tudo que sinto no ar e na boca
que tesouro os trópicos deixaram para mim?

Tomaz Salamun
desde que nasci uma segunda-feira ordinária
uma vida ordinária têm me seguido por toda parte
como se eu tivesse escapado de Alcatraz

Tomaz Salamun
e quanto à melancolia, o que farei eu?
e quanto ao jardim de flores amarelas,
com que abelhas aprenderei a fazer o mel?

Tomaz Salamun
em breve o outono começará a cair em mim, eu sei
e minhas folhas cairão ... uma por uma… 
o que fazer?
para onde ir?
quem procurar?

através da janela ou posso vê-la
a grande ponte é de pedra bruta
— como a vida
mas não me leva a lugar nenhum
se não tenho pernas para caminhar

Tomaz Salamun
seus olhos verdes perto de mim
ela está defronte a mim
a musa é moldava
sua pele é alva e clara e branca

e traz em si areias de uma ampulheta
ela me chama me quer
— e quando assim a vida existe

no mais, estou vivo
vivo como ninguém gostaria de estar
ouço o sangue agonizando em minhas veias
e uma guitarra flamenca me arde o peito

Tomaz Salamun
fui condenado a existir

 

Night Fog


the moon is a white lily
born in the bed of the sky
adorned by the dull fog
that comes out of men

tonight the sky is a lake
adorned with white stars
blue is the lake I see
full of fog and reeds

Sereno


a lua é um lírio branco
nascido no leito do céu
adornada da névoa baça
que sai dos homens

esta noite o céu é um lago
ornado de estrelas brancas
é azul este lago que miro
cheio de sereno e juncos

 

The Lilies


unhurried, lilies happen
********************
lost in thought in their cocoons
they await the arrival of the great event

suddenly — but very slowly
they burst from within only to become themselves
the selves they have already been themselves since
always white petals burst
from the inside
from somewhere within their mysterious green

it is beautiful the lilies’ white smile
composing their fiction with words of nothing
and, even more hidden,
their pure fragrance emanates like breath
the purest breath of nature over men

Os Lirios


lentos, os lírios acontecem
............................................
ensimesmados em seus casulos
aguardam pela chegada do grande acontecimento

de repente — mas muito lentamente
explodem de dentro de si para se tornarem a si mesmos
mesmo já tendo sido a si mesmos desde sempre
explodem as pétalas brancas
de dentro
de algum lugar do seu misterioso verde

é belo o sorriso branco dos lírios
compondo sua ficção com as palavras do nada
e, mais oculta ainda,
sua fragrância pura emana como um hálito
o mais puro hálito da natureza sobre os homens

 

Calendar


it is important to forget March
so that April finally happens
lying under the shade of January
so the abyss of June disappears

whose face is this behind the ivy?
in the distance the ethereal moonlight rests light and white
over the absinthe lilies and chimera

the grass of September still remains
and afternoon azaleas 
and the latitudes of silence

it is not death I seek, my friend
when your words arrive in the breeze
when you offer me the coolness of your skin
and the Milky Way is suddenly reborn calmly
in the wild meadow roses 
or when you open the immense petals
of your beautiful and white smile (a lily?)
for the night of my existence

Calendario


é preciso esquecer de março
para que abril finalmente aconteça
deitar-se sob a sombra de Janeiro
para que o abismo de junho desapareça

de quem é esta face por detrás da hera?
ao longe o luar etéreo repousa leve e branco
sobre lírios de absinto e quimera

resta ainda a relva de setembro
e azaleias da tarde
e as latitudes do silêncio

não é a morte que eu busco, amiga
quando chegam tuas palavras na brisa
quando oferece-me o frescor de tua tez
e a Via-Láctea de repente renasce calma
nas rosas silvestres do prado
ou quando imensas abres as pétalas
do teu sorriso lindo e branco (um lírio?)
para a noite da minha existência


Narlan Matos is a Brazilian-American poet, and one of the most important emerging Latin American poets. At 21, he published is first poetry book Ladies and Gentleman: the Dawn!, which won the Jorge Amado House Foundation Award in 1997. His second poetry book, In the Campsite of the Shadows won his first national award: the XEROX Award for Brazilian Literature in 2000. In 2002, he participated of the University of Iowa International Writing Program. His third book of original poems, Elegy to the New World (7 Letras Publishers) was nominated for the prestigious Portugal Telecom International Award. Eleuterio Diaz, from the University of New Mexico, argued that this book has inaugurated a new Latin American avant-garde. A fourth book, O alaúde, a península e teus olhos negros (Penalux Publishers), was published in 2017.

José F. Bañuelos-Montes is an Associate Professor of Spanish at Roanoke College where he has been a faculty member since 2006. His research interests lie in the area of historical and cultural construction of identities of Afro-Hispanic literature. He published the Spanish to English translation of Los viajes venturosos/Venturous Journeys (2015), from the Cuban poet Jesús J. Barquet.

Sally Perret is an Assistant Professor at Salisbury University, where she teaches Spanish literature and teaching methodology courses. Her research interests relate to issues such as nationalism, the idea of community, translation and publication techniques. She has published translations in journals like Exquisite Corpse.